O cansaço e aquela ausência, de certo modo incompreensível, reforçavam seu sentimento de desamparo. Sem rumo certo saiu a procura de um lenitivo que lhe pudesse apontar uma bela descida ao vale de morfeu. Instintivamente esquivara-se do lugar comum. O vinho estava fora de cogitação. Ainda pegou o telefone e pensou na mulher mais disponível, que o receberia sem muitos rodeios. Sorriu e jogou o aparelho no porta-luvas. Havia meses que fazia esse mesmo gesto seguido do mesmo sorriso. Tal como outrora, tentou encontrar na sua memória uma imagem consoladora entre as muitas paixões e aventuras amorosas que vivera. Mas nada disso fazia mais sentido. Havia arrumado cada paixão, cada romance, cada mulher bonita, cada noite de sonho, cada promessa em caixinhas/quadrados estanques, hermeticamente fechados, que guardava como um tabu em lado incerto do seu coração.
A meia-lua com bicos apontados para o céu, pachorentemente posicionada rente a montanha, ao meio da ilha de Santo Antão, compondo um belo quadro de contrastes indescritíveis, lhe apontava um rumo. Seria uma Afrodite ou sósia sua que o convocava para prosa incerta. Limitado pela sua condição de ilhéu, que ora constituia de certo modo uma vantagem, Léo desvencilhou-se da cidade e, minutos depois estava a sós com as pacíficas silhuetas negras das montanhas. Inadvertidamente, uma breve e parca lágrima rolara do canto do seu olho direito. Pensou: há de ser da brisa. Suspirou e, como um voice over num black screen escrevera com a a sua potente e embaçada voz interior:
‘Quisera amiga que cá estivesses. Não precisavas estar perto. Bastava que estivesses viva, que a imagem consoladora da tua mão penetrando suavemente a carne dolorida do meu peito, massageando esse meu coração que te comoveu, para que a solidão assumisse a sua condição natural e pudesse somar inconscientemente mais um dia à minha existência. No entanto, teimas com essa mão inerte sob essa face lívida como se tua vida, humana que fora, fosse apenas paz. Estivesses aqui, digo algures, falar-te-ia, ouvisses ou não, das lágrimas verdadeiras que chorei por uma mulher na calada da noite. Eu que, como bem sabes, guardo séculos de lágrimas nas fibras contraídas das minhas têmporas. Pois, veja que chorei e solucei de felicidade por ter visto, creio eu, a felicidade no rosto de uma amiga. Ou teria chorado por mim? Eu que ainda não chorei por ti. Ou talvez o tenha feito sem que o saiba. Ficarias contente em saber dos meus recentes desamores e dos meus mais recentes pesadelos nocturnos, não pela minha infelicidade, mas pela confiança que te dedico. Tenho me consolado com a voz do mar. Não recordo ter-te confidenciado essa minha excentricidade banal. De qualquer modo a lua sumiu e, na imensidão de estrelas, nesse imprevisto céu de Março, acredito ter-te visto brilhar no céu. Por isso me calo...’
Soprava uma fresca brisa no alto da montanha. No rádio uma voz masculina entoava doce e ironicamente ‘love me tender…’Como pano de fundo ouvia-se o barulho do motor, uma sinfonia suave de grilos na noite e o assoviu da brisa que se impunha pela fresta do vidro ligeiramente aberto. Santo Antão cobrira seu quarto-crescente com um manto negro. No céu, supostamente azul, um mar infinito de estrelas cintilavam. Como cintilavam e transmitiam uma estranha e imensa calma. Na alma do homem uma ligeira cicatriz e aquele anseio repentino e insaciável de estrada. Sorriu e pensou "há de ser apenas mais uma noite"…
Olavo da Luz
2 comentários:
Porra, man...
tambêm digo polas! adorei... amantedarosa
Enviar um comentário